quinta-feira, 29 de julho de 2010

Desabafos: Até que o Contrato Expire?

Artigo 1672.º: Os cônjuges estão reciprocamente vinculados pelos deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência (Redacção do Dec.-Lei nº 496/77, de 25-11)
           
- Código Civil 2008 




Romântico, não? Estão a imaginar corações, borboletas, um belo pôr do sol, duas taças de champagne e afins ao ler esta frase? Não? Ufa, que alívio! Pois é, mas do ponto de vista causídico, é isto o casamento. Um contrato assinado por duas partes. Pois aqui está o busílis das questão: as duas partes (e não estou a falar das "partes" usadas para embaciar vidros de automóveis em locais recônditos, lá chegaremos).




Dizem que os Homens são de Marte e as Mulheres são de Vénus. Para vosso espanto, nunca estive em nenhum desses planetas, portanto não estou em posição de aferir a veracidade da coisa. Quando me cruzar com alguém que já lá tenha estado, e não tenha passado férias recentemente no Miguel Bombarda ou outro estabelecimento congénere, prometo esclarecer a questão.

Criaturas diferentes que somos (estão a abanar a cabeça afirmativamente, certo?), não raras vezes as opiniões dos dois sexos são discordantes. E parece-me a mim que a interpretação relativamente aos deveres matrimoniais acima descritos é um desses casos. Ora vejamos:

                                                     ELE

"Eu respeito que tu estejas de tal forma chateada comigo que me estejas a visualizar à frente de um pelotão de fuzilamento, por isso vou ver ler o jornal e beber uma jola para longe de ti ignorando respeitosamente as tuas trombas."

"Eu respeito o laço único que existe entre mãe e filhos, por isso vou manter o rabo respeitosamente colado ao sofá, enquanto tu vais ver poque é que os putos estão a berrar um com o outro como se não houvesse amanhã!"

                                                                     ELA

"Eu respeito o teu gosto para gravatas que parecem um estofo de sofá dos anos 80, por isso é que expresso a minha opinião respeitosamente, com um olhar de censura que faria chorar um PIDE."

"Eu respeito que tu não tenhas paciência para ver a trigésima quarta reposição do Sexo e a Cidade comigo, por isso vou deitar-me respeitosamente a teu lado e fazer a minha melhor imitação de uma arca frigorífica."


                                                          ELE

" Sou tão fiel, tão fiel que após apurada e exaustiva análise do último número da MaxMen, continuo casado contigo!"

" Sou tão fiel, tão fiel que quando passou aquela loiraça, peito 38, piercing no umbigo e tatuagem no tornozelo esquerdo, eu nem reparei nela!"

                                                            ELA

" Sou tão fiel, tão fiel que vou ver o próximo filme do Brad Pitt, e desta vez vou tentar prestar atenção às qualidades interpretativas do Semi- Deus, quero eu dizer, actor."

" Sou tão fiel, tão fiel que a próxima vez que assistirmos a um concerto do David Fonseca vou fazer o esforço de concentração sobre-humano de apreciar a música!"


                                                              ELE

" Adoro viver contigo! E com as tuas malas que se multiplicam como cogumelos, com os teus sapatos, com as tuas revistas, os teus 537 pares de brincos, pulseiras e todo o lixo a que tu chamas bijutaria. Já para não falar da tua generosidade em partilhares 7% do guarda-vestidos comigo. Adoro viver contigo!"

                                                                ELA 

" Adoro viver contigo! E com a tampa da sanita para cima. E com a tua impossibilidade de colocares o rolo de papel higiénico no suporte (fica muito melhor em cima do autoclismo). E com a erudita melodia com que me presenteias ao adormecer (já esclareci os vizinhos que, ao contrário do que possa parecer, não adoptámos nenhum animal da Amazónia). Adoro viver contigo!"


                                                                  ELE

Cooperar: não atrapalhar; desviar o percurso da actividade para a qual estou a ser intimado; o seu a seu dono, isto é, "tu tens tanto jeitinho querida!"; em último caso fingir-se de morto.

                                                                   ELA

Cooperar: atribuir ao conjuge tarefas de forma Hitleriana; cronometrar a execução dos trabalhos, sendo que o dito ou cumpre o timing porque fez tudo à toa,  ou arrastou a coisa propositadamente; encontrar defeitos de forma obssessiva no trabalho executado até ele atirar com a vassoura pelo ar, e ela vociferar " Deixa estar que eu faço isso!"



Este fui conferir este ao Código, por via das dúvidas: O dever de assistência compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir para os encargos da vida familiar. Isto é, dinheiro, guita, graveto, el contado, la pasta... Ok, acho que já perceberam a ideia.

                                                                   ELE

"Porque é que eu tenho de te consultar antes de gastar o subsídio de férias num cadeirão com  frigoríco incorporado? O dinheiro é meu!"

                                                                    ELA

"Porque é que eu tenho de te consultar antes de gastar o subsídio de férias  numas sandálias azul turquesa que combinam com os meus óculos de sol novos? O dinheiro é meu!"



Em primeiro lugar, relendo o que acabei de escrever se calhar não somos assim tão diferentes, seremos duas faces da mesma moeda?



Em segundo lugar, não vos parece que falta aqui qualquer coisa? O Amor? Fazer o Amor? Espalhar o Amor? Tenho para mim, rapariga antiquada, que casamento sem amor é como cerveja morta! E nós não gostamos de cerveja morta, correcto? O resto, os ditos deveres vêm no pacote, correcto? Tipo amendoíns, tremoços, camarões, caracóis...

Concluindo e resumindo, procurem a vossa imperial fresquinha e mantenham o gás. Certamente vão encontrar cervejas quentes e mortas pelo caminho. Daquelas que dão umas ressacas diabólicas e deixam a boca a saber a papel de música. Mas quando descobrirem aquela estupidamente gelada, não a deixem morrer. Eu tento fazer por isso e não me tenho dado mal!

3 comentários:

  1. Muito bom! Muuuuuito bom!! Tás lá miúda, qualquer dia fazes concorrência ao Ricardo Araújo Pereira.

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  2. Excelente post.

    A busca da felicidade é isso mesmo, a procura da imperial fresquinha. E se nessa procura a malta se for rindo das imperfeições melhor ainda.

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  3. Estupido do !"#$%&$#"5 de agosto de 2010 às 15:43

    Muito giro o Post.
    Gostei da forma como o concluiu.
    Os "contratos" são difíceis de manter, porque aqueles (Marcianos e Venusianas) que os assinam, mudam. Porque tudo muda, toda a gente muda. Ninguém aos 50 anos, é como era, quando tinha 20. E antes de assinarem, todos sabem que isso irá acontecer. O que é preciso, é que essas mudanças, sejam boas para os dois.

    Falando por experiência própria, quando a cerveja já está morna ou sem gás, ninguém a quer beber. Não há retorno, nem vasilhame que a salve. Está ali, em cima da mesa, abandonada. Tem de ser paga, tem o seu preço, mas não satisfaz, nem dá prazer. Quando assim é, não será preferível pedir outra? ‘esquinha?
    Já agora, com pacote completo (marisco, tremoço e caracol…). SFF!

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